
Aguinaldo Matos, 46 anos, quer melhorar sua renda. Paulo César, 27, quer ser destaque na área em que atua. Eles não se conhecem, mas ambos moram em Cristalina e partilham da vontade de crescer profissionalmente no mercado das pedras preciosas. Aguinaldo é lapidário e dono de uma loja de cristais. Paulo é ourives.
Cristalina é um município goiano distante 281 quilômetros da capital, Goiânia, e 131 quilômetros de Brasília. Guarda as belezas e a misticidade dos cristais, mas atualmente destaca-se também pela produção agrícola possuindo a maior área irrigada de Goiás com 43.723 hectares.
Processo de lapidação
Foto: Ângela Scalon
Mesmo com a generosidade da natureza na região, viver apenas dos cristais não é tarefa fácil nos tempos atuais. Aguinaldo – o lapidário, revela que sua vida financeira vive de altos e baixos e apesar de o mercado chinês ser um forte concorrente, a paixão em transformar a pedra bruta em uma bela joia o incentiva a continuar.
Ele faz parte da terceira geração da família que trabalha neste ramo. Há muitos anos, o avô, que era um agricultor na Bahia resolveu tentar uma nova vida nos garimpos de Cristalina. O ofício passou para o filho – pai de Aguinaldo, que hoje, aos 70 anos, ainda é garimpeiro.
Aguinaldo começou a ajudar o pai aos sete anos de idade. Depois tentou a vida na agricultura, mas a magia das pedras o fez voltar para o ramo dos cristais. Já bateu de porta em porta pedindo para que alguém o ensinasse o processo de lapidação, formou cooperativa e conquistou com dificuldades equipamentos para o trabalho. Hoje, o microempreendedor tem uma oficina de lapidação com cinco funcionários.
Produção de 60 pedras por dia na oficina de Aguinaldo
Foto: Ângela Scalon
Ao lado da oficina, num espaço alugado, Aguinaldo mantém sua loja de artesanato mineral e de joias. Segundo ele, em sua oficina, uma equipe de seis pessoas é capaz de fazer, em média, 60 pedras por dia. Depois de feitas, as peças são vendidas para clientes finais ou em sua loja. “Noventa e cinco por cento do que vendo na loja é fabricação própria”.
O lapidário já fez cursos de lapidação e design pela Secretaria de Indústria e Comércio (SIC), Sebrae, entre outros órgãos, e buscou financiamentos pelo FunMineral (Leia mais abaixo). “Busco sempre melhorar”. Agora ele pretende construir, no espaço alugado, uma lanchonete para atrair o público que passa pela BR 040 e melhorar a renda. Para se ter uma ideia, ele precisa captar R$ 20 mil mensais para pagar funcionários, aluguel, entre outras despesas. Mas, mesmo diante de caminhos cheio de obstáculos, o caminho das pedras cristais sempre o encantou. “Mesmo com todas as dificuldades e por tudo que passei, não saio da profissão, porque realmente sou apaixonado pelo que faço”.
Pedra bruta à joia
Pedras ainda na fase bruta, antes da lapidação
Foto: Ângela Scalon
Em Cristalina são encontradas com mais frequência quatro qualidades de cristal – fumê, rutilado, de rocha e citrino. Em sua maioria, a partir de um metro de profundidade. Muita gente não sabe o caminho percorrido desde as pedras brutas até a transformação em uma bela joia ou numa peça de decoração. O presidente da Associação de Artesãos de Cristalina (AAC), Willian Souto, explica como funciona essa cadeia produtiva passando pela mineração, lapidação, ourivesaria, capacitação e mercado.
O garimpeiro ou minerador extrai o cristal das terras. “O garimpeiro faz um trabalho mais manual. O minerador trabalha com máquinas, tem licença para a extração e muitos extraem a areia, que tem como subproduto o cristal”, explica. A cidade conta com oito empresas mineradoras. Willian estima que 70% dos cristais da cidade ainda não foram explorados.
Mineração - Dono de mineradora em Cristalina, Eduardo Fernandes conta com quatro frentes de lavras. Veio para o município atraído pelos cristais e ao perceber que, extraindo as pedras, encontrava-se muita areia, ele começou a trabalhar também com extração de areia, o que aumentou a renda. Com avô minerador e filho de um grande exportador de mica (mineral) nas décadas de 50 e 60, Eduardo tem no sangue o empreendedorismo pelas pedras preciosas.
Orgulhoso, ele conta da sua patente: a pedra amarela-esverdeada, que ganhou fama no município e fora dele. Através de um tratamento com cobalto 60, altera-se o núcleo de cor do cristal e ao final tem uma pedra amarelo-esverdeado (greengold). E Eduardo não para por aí. Ele já tem grandes projetos com o silício, material usado em eletrônicos, mas ainda não revela os detalhes.
Lapidação - Depois de extraída, a pedra bruta então segue para o lapidário, o trabalho do Aguinaldo, lembra? Este profissional é responsável por dar forma e brilho. Depois vai para o ourives, que monta a joia, transformando-a em um par de brinco de pedras e ouro, por exemplo. E aí está o trabalho do microempreendedor Paulo César.
Paulo apaixonou pela profissão de ourives aos 10 anos
Foto: Ângela Scalon
Ourives - Paulo e os cristais: amor à primeira vista. Aos 10 anos, ele conheceu o pai, que era ourives, e ao mesmo tempo conheceu a profissão que o faria ser um empresário satisfeito com seu trabalho. Quando tinha 20 anos, já com vontade de ter um ateliê, aproveitou as oportunidades que surgiram, e comprou um pequeno espaço. Hoje, aos 27, tem dois funcionários e mais de dez clientes fixos, e ainda conta com diversas encomendas de clientes finais e lojistas.
Segundo o Instituto Brasileiro de Gemas & Metais Preciosos (IBGM), nos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia, Goiás, Pará, Tocantins, São Paulo e Rio de Janeiro concentram a produção de pedras preciosas brasileiras e o seu parque industrial. Nesses estados estima-se que existam cerca de 3.900 empresas de lapidação, de joalheria, de artefatos de pedras, de folheados e de bijuterias. Algo próximo a 99% das empresas desse setor são compostos de pequenos negócios.
Paulo informa que entre as peças mais vendidas por ele estão os pingentes. Fabrica peças que variam de R$20 a mais de R$1 mil. Dependendo da joia, tem capacidade para fabricar em uma semana 500 pares de brinco mais simples ou mesmo demorar uma semana para produzir uma única peça mais trabalhada.
Paulo levou 15 dias para montar este brinco de topázio, ametista e zircônia
Foto: Ângela Scalon
“O meu-ganha pão é todo deste meu trabalho. Vivo disso. Faço porque gosto. O dinheiro seria uma premiação. Agora quero expandir mais e fazer mais cursos para aperfeiçoar”, diz empolgado, Paulo, que já está com os trabalhos manuais a todo vapor para o final do ano, época que tem aumento de vendas em torno de 20%.
Capacitação
A Secretaria Estadual de Indústria e Comércio (SIC) oferece cursos de Lapidação, Joalheria e Artesanato Mineral, no Centro de Gemologia, em Anápolis. Realizado semestralmente com duração 320 horas/aula, abre inscrições para turmas pequenas de dez alunos, no máximo. Segundo o gerente de Artesanato Mineral da SIC, Geraldo Friaça, mais de 300 pessoas já passaram pelo curso, que gera oportunidades de emprego e renda para famílias, além de auxiliar quando se tem interesse de montar o próprio negócio.
Presidente da Associação de Artesão de Cristalina, Willian Souto
Foto: Ângela Scalon
O presidente da AAC, Willian Souto, informa que já está em discussão um projeto para instalar uma escola de lapidação e joalheria permanente em Cristalina. Será construído um galpão de 640 metros quadrados, onde será ensinada a técnica da lapidação e cursos de reciclagem para os artesãos.
Sebrae Goiás
O Sebrae Goiás também realiza ações para incentivar a cadeia produtiva dos minerais. Um desses estímulos é através do apoio a feiras, como a Feira de Joias, Artesanato Mineral e Pedras Preciosas (Fecris) de Cristalina de Goiás. Willian informa que a última edição (2013) de um total de nove, gerou R$ 500 mil de volume de vendas, contando com clientes de todo o Brasil e do exterior.
O gestor de Projetos do Sebrae, Marcelo Gonçalves, acrescenta que Cristalina conta com o Projeto Agências Sebrae Entorno do DF, que oferece capacitação, orientação, consultoria, palestra e oficinas, além de apoio a eventos realizados no município. “Um projeto que tenta trazer a profissionalização de todo o processo, desde o atendimento, da venda, da gestão, da busca por novos mercados e novos negócios. O artesanato era visto como uma atividade simplória”.
Para ele, o projeto é muito importante para os artesãos, melhorando a vida financeira desses profissionais. “Melhorou a vida dessas pessoas, que são trabalhadoras que faziam do trabalho a fonte de renda, mas não tinham uma qualidade diferenciada. O projeto do Sebrae trouxe para eles diferencial competitivo, conseguimos melhorar seus projetos de gestão, a mão de obra. Foi possível agregar valor nas peças que eles produziam. O artesão teve uma mudança muito grande de perspectiva, porque o artesanato ainda era visto como uma atividade secundária, e após o projeto, os artesãos foram colocados em destaque”.
APL do Artesanato Mineral
APL trouxe resultados positivos para Cristalina
Foto: Mantovani Fernandes
A SIC conta com o Arranjos Produtivos Locais (APL) do Artesanato Mineral, Joias e Gemas em Cristalina e Pirenópolis. O objetivo dos APLs é potencializar a vocação econômica de determinada região, permitindo desenvolver ações eficazes junto aos pequenos produtores para gerar resultados positivos a toda cadeia produtiva.
Segundo o gerente do APL de Artesanato, André Franco, com esse Arranjo e a formalização perante o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior foram estabelecidas importantes parcerias com os setores público e privado. “Por exemplo, com a existência do APL conseguimos estabelecer uma parceria para a construção do Mercado do Cristal e outra para divulgarmos o APL Mineral de Cristalina através de placas rodoviárias nas GOs e BRs que dão acesso ao município. Estas duas recentes conquistas têm incrementado o turismo na cidade e, sem dúvida, melhorado o padrão de vida dos artesãos de Cristalina”. As feiras, também apoiadas pela SIC, são grandes vitrines para os trabalhos dos artesãos. Já estão previstas duas feiras internacionais para 2015. Uma em junho, na França, e outra em novembro, na Alemanha.
André ressalta outro avanço na vida dos artesãos: a Carteira do Artesão. Com ela, os trabalhadores são beneficiados com cursos de formação, emissão de nota fiscal com isenção de ICMS, empréstimos com juros especiais junto ao Fumineral (Fundo de Apoio à Mineração), participação em feiras e apoio na inserção de mercado, tudo viabilizado pela associação. Cristalina está no topo do ranking do Artesanato Goiano, com 201 artesãos cadastrados.
FunMineral
O ourives Paulo César pegou empréstimo do FunMineral para comprar uma ferramenta que custava mais de R$ 1 mil. Já o lapidário Aguinaldo usou o empréstimo para comprar prata e para a confecção de joias. O FunMineral é um fundo de fomento do Governo do Estado de Goiás, gerido pelo Gabinete de Gestão da Mineração da Secretaria de Estado de Indústria e Comércio (SIC) e tem como objetivos promover o conhecimento do potencial mineral do Estado e financiar a cadeia produtiva mineral, apoiando a pequena e média empresa de mineração e o artesanato mineral. A maioria dos artesãos recorreu ao FunMineral como forma de impulsionar ou iniciar o próprio negócio.
Segundo informações do Gabinete de Gestão Mineral, foram financiados em Cristalina desde 2003 – quando foi criado, 116 projetos de Artesanato Mineral e um de uma empresa num valor total de R$ 1.728.372,31. Já no Estado de Goiás, 449 projetos foram financiados em 62 municípios, no valor financiado total de R$ 61.267.317,48. O Gabinete registra também o número de empregos mantidos e a expectativa de geração de empregos, que é quando o microempreendedor ou a empresa faz uma projeção de contratação de novos funcionários. Em Goiás, a expectativa de geração de empregos para os próximos anos é de 2.093 vagas, sendo 1.692 por empresas e 401 por artesãos microempreendedores.
Mercado do Cristal
Artesanato à venda no Mercado
Foto: Ângela Scalon
O Mercado do Cristal, inaugurado em dezembro de 2013, foi uma obra muito esperada pelos artesãos de Cristalina. Segundo o presidente da Associação dos Artesãos da cidade, Willian Souto, o Mercado tornou-se um espaço referência para a exposição dos trabalhos dos artesãos e a visita de turistas. A Associação conta com 205 artesãos cadastrados e segundo Willian, para se ter uma ideia, os cristais movimentam a economia da cidade. “O número de vendas dos artesãos associados chega a quase R$ 1 milhão por ano”.
O Mercado do Cristal tem 1.742 metros quadrados de área, contando com uma loja da associação, com peças de mais de 50 artesãos da cidade, além de ateliês e lanchonete. Recebe grupos de turistas e alunos de escolas, momento que explica sobre os cristais da região. A intenção agora é fixar as feiras e eventos relacionados aos cristais naquele espaço. Willian, Aguinaldo, Paulo, e tantos outros artesãos da cidade são categóricos ao afirmarem que querem ver o desenvolvimento de Cristalina – no momento voltado para a agricultura. Entretanto, a esperança é que os olhos sejam voltados novamente para o caminho das pedras … das pedras preciosas.
- Goiás Agora