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Buzina no trânsito: o grito da intolerância
Trânsito

Por fim, Leonardo afirma que apenas trocou xingamentos com o condutor do veículo Celta, mas em nenhum momento fizeram ameaças um ao outro, por tal razão não imaginou que o fato pudesse terminar desse modo”.

As palavras de Leonardo Cândido Martins estão gravadas no inquérito policial nº 278/2014 que investiga a morte de sua esposa, Cristiana de Carvalho Martins. Cristiana não resistiu aos tiros que atingiram sua cabeça e faleceu no Cais Cândida de Morais, em Goiânia. Leonardo, também baleado no braço, ainda conseguiu dirigir até o Cais para que pudessem ser atendidos. A filha do casal, I. C. M, de 13 anos,  não sofreu ferimentos externos, mas carrega o trauma de ter perdido a mãe logo após voltar de um último almoço em família na casa da avó.

“O crime aconteceu no dia 13 de abril deste ano, e com a grande repercussão na mídia fui muito criticado por jornalistas e pelo próprio público nas redes sociais por ter tido uma posição contrária ao comportamento do esposo da Cristiana. Mas não estava fazendo papel de advogado do criminoso. Acontece que Leonardo procurou a morte da esposa com as próprias mãos ao acionar a buzina veementemente, chamando o Luciano para a briga, e ainda ter cuspido no condutor do Celta”, disse o delegado responsável pelo caso, Hellyton Carlos Miranda de Carvalho, lembrando que Luciano Ferreira Acássio foi preso preventivamente por homicídio qualificado.

“Mesmo sendo da família, concordo com o delegado. Perdemos a Cristiana por conta de uma buzina. Não precisava da buzina; não foi pra evitar acidente. Acredito que a fechada não foi proposital e ele poderia ter ido embora sem ter feito nada”, diz indignada uma das irmãs, Luciana de Carvalho, lembrando que seu cunhado Leonardo sempre foi uma pessoa agressiva no trânsito. “Ele não suportava que alguém buzinasse para ele, chamando atenção de maneira desnecessária, mas vivia fazendo isso com os outros a troco de nada. E depois que aconteceu essa tragédia ele disse: foi vacilo, né?!”.Muitos condutores utilizam a buzina para chamar atenção do motorista que está dando ré muito próximo ao carro anterior, para cumprimentar um conhecido na via, para chamar a mãe ou o filho para abrir o portão de casa, entre outras situações. Mas diante do trânsito caótico e da quantidade de compromissos diários que o cidadão assume, como não ficar irritado com este som?

Toque breve, trânsito leve

Embora a buzina constitua equipamento obrigatório para os veículos, expresso nas exigências do artigo 1º da Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n 14/98, sua utilização é pautada pelo artigo 41 do Código de Trânsito Brasileiro (veja quadro abaixo). Em todas as situações permitidas, os toques devem ser leves, com o objetivo de comunicar-se de maneira tolerante com o outro  motorista. O descumprimento da norma geral do artigo 41, como a utilização prolongada da buzina e sem qualquer pretexto, tem como consequência infração de trânsito prevista no artigo 227, com multa leve no valor de R$ 53,20 e três pontos na carteira do motorista.

Como usar a buzina

“Todo mundo tem uma história irritante de buzinada para contar. E aconteceu comigo também esses dias: a pessoa buzinou excessivamente porque a ultrapassei. E mesmo que não tenhamos corrido nenhum risco de acidente, ela se irritou por tê-la ‘deixado para trás’. Mas ela não sabia nem se eu estava armado ou não. Eu poderia ser uma pessoa descontrolada, e ela estaria em sérios riscos”, revelou o delegado Hellyton fazendo o alerta de que as pessoas podem achar baixo demais o valor da multa para cumprir a ordem, mas podem acabar pagando com a própria vida.

O delegado lembra, ainda, que andar armado é o maior problema da violência no trânsito. “o condutor que anda armado tem de estar preparado para as consequências, como aconteceu com o condutor do Celta, no caso da Cristiana. Além dessa consciência e da habilitação para tal, tem que ter todo um preparo físico e psicológico como temos na academia de polícia”.

Por causa da possibilidade de desentendimento com alguém que possa estar armado, Luciana revela: “Nossa, não tenho coragem de buzinar pra ninguém hoje em dia! Não ando mais sozinha no trânsito. Eu fico com medo. As pessoas até fazem umas burradas, mas eu me queixo apenas dentro do carro, mas não tenho coragem de expor a minha opinião com uma buzina desnecessária”.

Rosival Lagares é mestre em Psicologia, especialista em Psicologia do Trânsito e credenciado pelo Detran para realizar os exames de avaliação dos candidatos de CNH, além de professor e coordenador do curso de Psicologia do Departamento de Psicologia da PUC-Goiás. A sua experiência não só com pacientes, mas com os próprios estudos, mostra que o aperto de buzina significa “o grito do condutor do veículo”, e é uma atitude comportamental de explosão.

“Nós não podemos isolar o trânsito do contexto geral da sociedade moderna ou pós-moderna, que tem uma pressa excessiva, uma ansiedade, competitividade, um imediatismo em todas as ações e comportamentos do homem. E o trânsito é o meio que  expressa esse contexto de forma mais acentuada, já que é o lugar onde as pessoas estão em deslocamento”, explica o professor.

E os dados da Delegacia Especializada em Investigações de Crimes de Trânsito de Goiânia confirmam: de janeiro a novembro deste ano ocorreram 62 acidentes no intervalo entre 17 horas e 20 horas, período de maior deslocamento, o dobro do que ocorre entre as 14 horas e 17 horas, por exemplo. Uma das principais causas desses acidentes é o desrespeito à sinalização de Pare. Só em 2013, foram registradas 4.103 ocorrências desse gênero: quando o motorista acredita que só buzinar é o suficiente para fazer a travessia de um cruzamento com segurança.

O repórter fotográfico Eduardo Ferreira buscou retratar a falta de tolerância, a impaciência e a agressividade de alguns motoristas.

O repórter fotográfico Eduardo Ferreira buscou retratar a falta de tolerância, a impaciência e a agressividade de alguns motoristas.

A orientação é a tolerância, sempre
O diretor técnico do Detran Goiás, Horácio Melo e Cunha Santos, reconhece a importância da utilização consciente da buzina para diminuir os índices de violência no trânsito, e afirma que o primeiro capítulo de estudo do Curso de Formação de Condutores do Detran é o respeito ao próximo. “E a buzina reflete o desrespeito. As pessoas marcam tantos compromissos e esquecem de retirar o tempo que levam de um lugar ao outro. E buzinar não vai adiantar”, reforça o diretor.

Mas dirigir o veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou permissão para dirigir é a terceira principal causa de multas, de acordo com dados do Detran Goiás. Entre janeiro e setembro de 2014, foram emitidas 11.480 notificações dessa categoria, que é considerada gravíssima. Isso significa que muitos motoristas não têm recebido as orientações do Curso de Formação de Condutores ou das aulas de direção defensiva obrigatórias à expedição da CNH.

No curso de formação e nas aulas de direção defensiva nos centros de formação de condutores, “aprendemos que o aviso sonoro só é para ser usado para evitar acidentes, e de maneira educada”, lembra o analista de sistemas, Thiago Borges, que não há muito tempo de desentendeu com uma moça no trânsito por ter recebido uma buzinada. “Moça, pra quê isso? Você não aprendeu nas aulas que não devemos buzinar dessa maneira? Comprou a carteira? Vamos ser mais educados uns com os outros!”, exclamou Thiago quando pareou o seu carro com o da jovem no sinaleiro.

A expectativa de Thiago é de que essa conscientização cresça na mesma medida em que surgirem novos carros nas ruas, e não o contrário. Atualmente, a frota de carros em Goiânia é de mais de 1,13 milhão de automóveis. Em Goiás, esse número chega a 3,4 milhões em 2014, um milhão a mais que em 2010, quando a frota era de 2,35 milhões.

Mesmo a buzina não sendo o único elemento responsável pela violência no trânsito, quando associada ao excesso de carros e às limitações físicas das vias urbanas, possui um efeito desencadeador de uma agressividade incontrolável em determinados condutores. “Motoristas que já estão num estado de irritabilidade, a buzina funciona como um disparo. É como se alguém estivesse numa corrida e houvesse um disparo para que todos chegassem primeiro”, exemplificou o psicólogo especialista em trânsito.

A sugestão do professor é para que haja campanhas educativas sobre o uso comedido da buzina: para quê serve e como deve ser utilizada. “Precisamos fazer um uso consciente da buzina, sabendo que ela hoje atua como um elemento complicador da violência no trânsito. Hoje é uma questão de risco de morte, infelizmente”, disse.

Já o delegado Hellyton faz menção ao autor Edmundo de Oliveira, da obra O Crime Precipitado pela Vítima. “Esse autor diz que, muitas vezes, o comportamento irresponsável da pessoa acaba favorecendo o desdobramento da conduta criminosa. E no caso do trânsito, a verdade é que a gente nunca sabe quem está no outro veículo. Então sempre que apertamos a buzina demasiadamente, corremos o risco de estarmos precipitando um crime, cujas vítimas podem ser nós mesmos ou alguém da nossa família”.

Goiás Agora