
Deficiente visual desde os três anos, a estudante Tálita Serafim Azevedo fala com fluência das dificuldades que a ensinaram, cada vez mais, a identificar os obstáculos ao seu redor, buscar inspiração em um futuro melhor e seguir em frente. Vítima de retinoblastoma, um tumor que afeta a retina e pode causar cegueira, ela fez das limitações impostas pela doença uma motivação maior para a vida. A jovem adora escrever e aprecia música e poesia. O gosto pela escrita a levou a fazer, em 2013, o curso de Redação no Centro de Qualificação Profissional (CQP) da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG), no Setor Aeroporto, em Goiânia. Foi também a oportunidade para se preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), já que pretendia fazer o vestibular para Letras.
Tálita afirma que teve dicas importantes de como fazer uma redação. ?Aprendi a iniciar um texto, que precisa ter começo, meio e fim, tudo dentro de uma estrutura lógica?, ensina. A estudante, que quer ser escritora, aguarda o resultado do vestibular.
Dedicação
A jovem destaca o carinho e a dedicação que recebeu dos professores do CQP. ?Tive muito apoio deles. Eles me ajudaram muito, indicando os erros que eu não poderia cometer na redação e como colocar no papel as minhas ideias. Terminei o curso mais segura e confiante em mim mesma. Foi lá que tive a oportunidade da inclusão. Foi diferente das outras escolas que conheci. Foi muito bom?, relata.
Juvenal Alves Correia também sonha em cursar Letras. Ele se matriculou no curso de Português ministrado no CQP para melhorar a ortografia.
Foto: OVG
Como Tálita, o escritor Juvenal Alves Correia, de 48 anos, também sonha em cursar Letras e diz que se matriculou no curso de Português ministrado no CQP para melhorar a ortografia. Deficiente visual e residente em Senador Canedo, ele afirma que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está em seus planos como caminho para a universidade. Casado e com um filho, Juvenal cita que gosta de poesia e de escrever contos. Ele é apaixonado por livros e afirma que seu objetivo é aprimorar sempre mais a arte de escrever. ?Estudar no CQP está sendo muito bom para mim. Já tenho uma nova perspectiva profissional, graças às informações e conhecimentos importantes para a minha atividade que recebi aqui, isso sem falar na competência dos professores que me assistem. Eles são atenciosos e conseguem passar os ensinamentos de forma fácil e objetiva?, observa.
O escritor avisa que, logo que concluir o treinamento em Português, pensa em fazer Redação na unidade da OVG. Juvenal mostra com orgulho o seu primeiro livro, denominado Memórias de uma Criança, digitado no computador com programas próprios para ele e lançado em 2011. A obra reúne passagens de quando era menino, as travessuras e as coisas que povoavam seu mundo na infância, o imaginário popular e as vivências no interior.
Núcleo de Assistência
A ideia de oferecer cursos para pessoas com deficiência no Centro de Qualificação Profissional começou a ser discutida no primeiro semestre de 2013. A proposta era oferecer a essas pessoas capacitação para o mercado de trabalho, de modo a promover a cidadania e a inclusão, empregabilidade, melhoria da renda e das condições de vida. Assim, surgiu o Núcleo de Atendimento Assistivo (NAA), que começou a funcionar em agosto.
Por meio da atuação do NAA, nove alunos com deficiência já concluíram cursos no CQP, a maioria deles com problemas de visão. Eles fizeram Português e/ou Redação, que são os cursos para os quais o Centro conta com professores capacitados e material didático adaptado. Mas a intenção é dotar outros cursos oferecidos na unidade de suporte necessário para beneficiar alunos com esse perfil.
A professora Benusa Cristina Guimarães Rocha, uma das coordenadoras do NAA, disse que as parcerias com instituições de apoio a pessoas com deficiência têm sido importantes para o projeto. Um desses parceiros é o Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual (Cebrav), que capacitou no ano passado parte da equipe técnica e de professores do CQP para trabalhar com alunos com deficiência visual. A capacitação tratou de temas como Alfabetização por meio do Sistema Braille e Alfabetização em Matemática. O objetivo foi fornecer informações para melhoria no acolhimento dos alunos.
O CQP conseguiu também cinco licenças do leitor de telas Virtual Vision para computadores da unidade. O leitor permite que pessoas com baixa acuidade visual e deficientes visuais tenham melhor compreensão sobre o conteúdo acessado durante o uso do computador. As licenças foram viabilizadas por meio do programa Cidadania Digital Já, desenvolvido pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e pelo Gabinete de Gestão de Interlocução com os Movimentos Sociais do Governo do Estado.
O professor Veimatos Caldeira Duarte, formado em Pedagogia e pós-graduado em Psicopedagogia, se matriculou no CQP para fazer o curso de Redação e acabou entrando para o quadro de pessoal da unidade.
Foto: OVG
Segundo Benusa, o objetivo do NAA é ampliar o atendimento de modo a beneficiar também estudantes com deficiências auditiva, física e intelectual. Para isso, ela informa que ainda será preciso fazer adaptações na estrutura física do CQP, relacionadas, por exemplo, ao acesso a banheiros e salas de aula, passarelas e bebedouros.
O professor Veimatos Caldeira Duarte, 40, é deficiente visual. Formado em Pedagogia e pós-graduado em Psicopedagogia, ele se matriculou no CQP para fazer o curso de Redação, mas depois acabou entrando para o quadro de pessoal da unidade e passou a contribuir na estruturação e coordenação do Núcleo de Atendimento Assistivo. Veimatos destaca que a preparação no CQP inclui orientar a pessoa com deficiência para que ela se torne mais independente para estudar e trabalhar. ?A pessoa tem que aprender a ter autonomia. Isso é bom para ela?.
O CQP trabalha com o número máximo de dois alunos com deficiência por turma para facilitar o processo de aprendizagem. Além dos cursos de Português e Redação, que podem ser feitos por pessoas com deficiência visual, o Centro oferece ainda Espanhol Básico, Espanhol para Turismo, Informática Básica, Inglês Básico, Inglês para Turismo, Matemática Básica e Secretariado. Os cursos são destinados a jovens a partir de 14 anos em situação de vulnerabilidade social.